Homem que foi o mais temido justiceiro nos anos 1980 estreia no altar e emociona parentes, amigos e ex-detentos
BRUNO PAES MANSO , TAUBATÉ - O Estado de
S.Paulo
Missionário da Igreja do Evangelho Quadrangular, Ministério Casa do Leão,
Carlos, conhecido como Carlão, conta na frente do púlpito, na noite de ontem,
que conheceu Florisvaldo de Oliveira, antes conhecido como Cabo Bruno, no
Presídio de Tremembé. Começava um entre muitos depoimentos do culto para
empossar como pastor da Igreja Refúgio em Cristo, em Taubaté, o homem que nos
anos 1980 foi considerado o justiceiro mais temido de São Paulo.
"Florisvaldo me ensinou a beijar no rosto os homens que eu respeito e gosto",
disse Carlão que, antes de se converter, morou durante 14 anos na rua. "Obrigado
por fazer parte da minha história."
Pouco mais de um mês depois de ser colocado em liberdade, Florisvaldo de
Oliveira assumiu ontem a função de pastor, substituindo do cargo sua mulher,
Dayse França, que comandou a igreja durante dois anos. A cerimônia durou cerca
de 2h30 e teve a presença de mais de dez pastores, uma comitiva de quatro
representantes da sede da igreja no Rio, carcereiros do presídio e ex-detentos
convertidos.
Antes de começar o culto, às 19 horas, Florisvaldo passou de banco em banco,
cumprimentando a todos. Magro, de cabelos brancos, com um terno azul-escuro de
três botões e risca de giz, dava um beijo no rosto de todos os homens
presentes.
No começo do culto, seus três enteados, filhos de Dayse, entoaram canções
religiosas que levaram parte dos 50 presentes às lágrimas. Na igreja, um antigo
restaurante todo envidraçado, no topo de uma colina, os presentes eram chamados
para falar a respeito da transformação de Florisvaldo. "O mundo todo e a
sociedade podem olhar para você atravessado. Ele (Jesus) olha reto", iniciou a
pregação o pastor Airton, olhando para Florisvaldo, que acompanhou os
testemunhos de olhos fechados. Durante as músicas, dançava discretamente e
levantava a mão direita.
Recuperação. Há exatos 30 anos, em 1982, quando ainda era soldado da Polícia Militar, Cabo Bruno passou a matar os jovens dos bairros da periferia da zona sul da cidade suspeitos de serem criminosos. Bancado pelos comerciantes locais, se tornou um dos justiceiros mais famosos e temidos de São Paulo. Matava por não acreditar na recuperação dos "bandidos" que, para ele e para os demais justiceiros e seus financiadores, deveriam ser exterminados. Em entrevistas a jornais, dizia, orgulhoso, ter matado mais de 50 pessoas.
Recuperação. Há exatos 30 anos, em 1982, quando ainda era soldado da Polícia Militar, Cabo Bruno passou a matar os jovens dos bairros da periferia da zona sul da cidade suspeitos de serem criminosos. Bancado pelos comerciantes locais, se tornou um dos justiceiros mais famosos e temidos de São Paulo. Matava por não acreditar na recuperação dos "bandidos" que, para ele e para os demais justiceiros e seus financiadores, deveriam ser exterminados. Em entrevistas a jornais, dizia, orgulhoso, ter matado mais de 50 pessoas.
Na cerimônia de ontem, ele e os demais testemunhavam justamente sobre as
chances que devem ser dadas para que as pessoas possam mudar. "Todos podem
mudar. Essas mudanças são o maior milagre de Deus", dizia o irmão Pedro
Silvestre. "Não cabe a nenhum de nós julgar o próximo, ainda que seus pecados
sejam vermelhos como o escarlate, se tornarão brancos como a neve", dizia o
bispo Vladimir, da Igreja Refúgio em Cristo, que veio do Rio especialmente para
a cerimônia.
Almas resgatadas. Depois de 21 anos preso, considerando as três fugas ao
longo dos anos 1980, Florisvaldo e outros pastores defendiam os prisioneiros e o
trabalho missionário nas cadeias. "Lá dentro tem homens e mulheres de Deus. Quem
não pecou que atire a primeira pedra. As almas deles precisam ser
resgatadas."
Desde que se converteu, segundo os depoimentos, Florisvaldo se mostrou uma
pessoa metódica e empenhada. Construiu uma igreja no Presídio de Tremembé. Fez o
púlpito com madeira, pintou de azul, lixou e pintou de novo. "Se eu não ficasse
tanto tempo, talvez não estivesse agora aqui", disse.
As trágicas histórias que viveu não foram mencionadas durante o culto, ao
contrário do que costuma ocorrer nos testemunhos evangélicos. "Queremos esquecer
o passado", disse a mulher, Dayse. "Somos hoje servos de Deus e queremos ter paz
para viver."
Filho. No culto estava presente ainda a missionária Alaíde
Pereira que, em 1991, foi a primeira pessoa a sugerir que Florisvaldo mudasse de
vida. Ela chorou ao longo de toda a cerimônia. "Ele é um filho para mim",
disse.
A mulher, Dayse, pediu a todos que orassem pelo sucesso do novo pastor.
Depois de assinar o documento de posse, Florisvaldo fez sua primeira fala como
pastor. Disse que iria saquear o inferno, tomando as almas de Satanás e as
entregando para um reino de luz. "Nunca fui de ficar parado", disse o
evangélico, que agora diz continuar sua guerra de forma pacífica.
Ele não quis falar com a reportagem. Desde que saiu, Florisvaldo não falou
com a imprensa.
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