Fausto Macedo, de O Estado de S. Paulo
Sancionada sem vetos pela presidente Dilma Rousseff, a nova Lei da Lavagem de
Dinheiro (12.683/12) divide juristas e delegados de polícia porque o artigo 17-D
da norma prevê que em caso de indiciamento de servidor público, este será
afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até
que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.
Ed Ferreira/AE
A presidemte Dilma Rousseff sancionou a Lei
da Lavagem de Dinheiro
"A Constituição estabelece a presunção de inocência", adverte o advogado
Pierpaolo Bottini, professor da Faculdade de Direito da USP, mestre e doutor em
Direito Penal pela USP e ex-secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da
Justiça (2005/2007).
Bottini observa que qualquer medida cautelar que restrinja direitos deve ser
fundamentada e motivada por um juiz de Direito. "O indiciamento é um ato do
delegado de Polícia, sem qualquer controle judicial. É preocupante que alguém
sem poderes jurisdicionais possa afastar um servidor do exercício das suas
funções. Aliás, afastá-lo do exercício de qualquer função porque o funcionário
público afastado não pode desempenhar qualquer outra atividade."
Para Bottini, o afastamento "é uma decisão que relega o servidor ao
ostracismo, lhe retira o direito ao trabalho, em suma, uma decisão grave, que
merece controle judicial". "É evidente que um funcionário sobre o qual pesam
fundadas suspeitas de lavagem de dinheiro deve ser afastado quando existam
elementos que demonstrem que sua permanência no cargo gera o risco de
continuidade delitiva. Mas cabe ao juiz tomar tal decisão, existindo previsão
legal no próprio Código de Processo Penal."
Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, presidente da Associação Nacional dos Delegados
da Polícia Federal, anota que a Lei 8.112 (lei do servidor público), no artigo
147, prevê afastamento preventivo do servidor em âmbito administrativo, sem
decisão judicial. "A lei do servidor prevê a hipótese de afastamento (por até 60
dias, prorrogáveis por mais 60). Ou seja, é previsto o afastamento no campo
administrativo disciplinar, como medida cautelar, sem prejuízo da remuneração
daquele funcionário."
Para o delegado da PF, "o inquérito policial não deixa de ser um procedimento
administrativo". "Guardadas as devidas proporções, o afastamento previsto na Lei
de Lavagem nada mais é que o afastamento previsto na lei do servidor cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade nunca foi questionada por ninguém. A
inconstitucionalidade haveria se o servidor fosse prejudicado em sua
remuneração, aí sim implicaria em uma antecipação da pena, em violação da
presunção de inocência."
"Existe uma previsão análoga no regime disciplinar administrativo do servidor
e tem uma garantia que é o controle jurisdicional que impede que o cidadão
eventualmente afastado tenha tido algum direito seu violado", pondera Marcos
Leôncio Sousa Ribeiro. "O ato de indiciamento no inquérito policial é um ato tal
qual o indiciamento proferido no âmbito administrativo. A lei diz que deverá ser
submetido o afastamento à Justiça que, não concordando, poderá de imediato fazer
cessar eventual ilegalidade."
"O indiciamento nada mais é uma declaração do delegado sobre uma autoria
provável (do crime), não é certo que acabe em condenação", argumenta Maria
Isabel Bermúdez, criminalista do escritório Emerenciano, Baggio e Associados. "O
indiciamento tem que ser encaminhado à Justiça e ao Ministério Público para
eventual denúncia, ou não. O delegado, por si só, não pode determinar o
afastamento do funcionário público. O indiciamento não significa que aquele
servidor (sob investigação) seja autor de um crime. Eu imagino que, pelo artigo
17-D, o delegado pode indiciar o servidor e até se manifestar (pelo
afastamento), mas quem vai decidir sobre o afastamento é o juiz. O afastamento
tem que ser decretado exclusivamente pelo juiz, de forma fundamentada, como toda
e qualquer decisão judicial. O delegado pode opinar pelo afastamento, mas quem
decide é o juiz."
Mauricio Silva leite, especialista em Direito penal e sócio do Leite,
Tosto e Barros Advogados, avalia como "temerária" a nova previsão legal inserida
no artigo 17-D da lei 12.683/12, que torna possível o afastamento imediato de
servidor público em face de indiciamento por crime de lavagem. "Esta previsão dá
ao delegado de Polícia o poder de afastar o servidor durante as investigações
sem a necessidade de decisão judicial acerca do afastamento prévio. Esta nova
previsão, sem sombra de dúvidas, viola a presunção da inocência e, além disso,
permitirá que direitos do acusado sejam afastados sem o devido controle
jurisdicional."
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