terça-feira, 10 de julho de 2012

Nova lei da lavagem de dinheiro divide juristas e delegados

Foco da polêmica é o artigo 17-D, que prevê que servidor público, quando indiciado, será afastado de suas funções
Fausto Macedo, de O Estado de S. Paulo
Sancionada sem vetos pela presidente Dilma Rousseff, a nova Lei da Lavagem de Dinheiro (12.683/12) divide juristas e delegados de polícia porque o artigo 17-D da norma prevê que em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.

A presidemte Dilma Rousseff sancionou a Lei da Lavagem de Dinheiro - Ed Ferreira/AE
Ed Ferreira/AE
A presidemte Dilma Rousseff sancionou a Lei da Lavagem de Dinheiro
"A Constituição estabelece a presunção de inocência", adverte o advogado Pierpaolo Bottini, professor da Faculdade de Direito da USP, mestre e doutor em Direito Penal pela USP e ex-secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2005/2007).
Bottini observa que qualquer medida cautelar que restrinja direitos deve ser fundamentada e motivada por um juiz de Direito. "O indiciamento é um ato do delegado de Polícia, sem qualquer controle judicial. É preocupante que alguém sem poderes jurisdicionais possa afastar um servidor do exercício das suas funções. Aliás, afastá-lo do exercício de qualquer função porque o funcionário público afastado não pode desempenhar qualquer outra atividade."
Para Bottini, o afastamento "é uma decisão que relega o servidor ao ostracismo, lhe retira o direito ao trabalho, em suma, uma decisão grave, que merece controle judicial". "É evidente que um funcionário sobre o qual pesam fundadas suspeitas de lavagem de dinheiro deve ser afastado quando existam elementos que demonstrem que sua permanência no cargo gera o risco de continuidade delitiva. Mas cabe ao juiz tomar tal decisão, existindo previsão legal no próprio Código de Processo Penal."
Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, anota que a Lei 8.112 (lei do servidor público), no artigo 147, prevê afastamento preventivo do servidor em âmbito administrativo, sem decisão judicial. "A lei do servidor prevê a hipótese de afastamento (por até 60 dias, prorrogáveis por mais 60). Ou seja, é previsto o afastamento no campo administrativo disciplinar, como medida cautelar, sem prejuízo da remuneração daquele funcionário."
Para o delegado da PF, "o inquérito policial não deixa de ser um procedimento administrativo". "Guardadas as devidas proporções, o afastamento previsto na Lei de Lavagem nada mais é que o afastamento previsto na lei do servidor cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade nunca foi questionada por ninguém. A inconstitucionalidade haveria se o servidor fosse prejudicado em sua remuneração, aí sim implicaria em uma antecipação da pena, em violação da presunção de inocência."
"Existe uma previsão análoga no regime disciplinar administrativo do servidor e tem uma garantia que é o controle jurisdicional que impede que o cidadão eventualmente afastado tenha tido algum direito seu violado", pondera Marcos Leôncio Sousa Ribeiro. "O ato de indiciamento no inquérito policial é um ato tal qual o indiciamento proferido no âmbito administrativo. A lei diz que deverá ser submetido o afastamento à Justiça que, não concordando, poderá de imediato fazer cessar eventual ilegalidade."
"O indiciamento nada mais é uma declaração do delegado sobre uma autoria provável (do crime), não é certo que acabe em condenação", argumenta Maria Isabel Bermúdez, criminalista do escritório Emerenciano, Baggio e Associados. "O indiciamento tem que ser encaminhado à Justiça e ao Ministério Público para eventual denúncia, ou não. O delegado, por si só, não pode determinar o afastamento do funcionário público. O indiciamento não significa que aquele servidor (sob investigação) seja autor de um crime. Eu imagino que, pelo artigo 17-D, o delegado pode indiciar o servidor e até se manifestar (pelo afastamento), mas quem vai decidir sobre o afastamento é o juiz. O afastamento tem que ser decretado exclusivamente pelo juiz, de forma fundamentada, como toda e qualquer decisão judicial. O delegado pode opinar pelo afastamento, mas quem decide é o juiz."
Mauricio Silva leite, especialista em Direito penal e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, avalia como "temerária" a nova previsão legal inserida no artigo 17-D da lei 12.683/12, que torna possível o afastamento imediato de servidor público em face de indiciamento por crime de lavagem. "Esta previsão dá ao delegado de Polícia o poder de afastar o servidor durante as investigações sem a necessidade de decisão judicial acerca do afastamento prévio. Esta nova previsão, sem sombra de dúvidas, viola a presunção da inocência e, além disso, permitirá que direitos do acusado sejam afastados sem o devido controle jurisdicional."

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