quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O STEVE JOBS DA POLÍCIA

Revista Veja

A crônica americana de grandes feitos empresariais, como a virada da General Electric promovida por Jack Welch, ou a da Apple, de Steve Jobs, tem agora seu similar no ramo da segurança pública. William Bratton, 62 anos, já era famoso quando conseguiu vencer o crime em Nova York, na década passada. Sua mais recente empreitada foi recolocar o Departamento de Polícia de Los Angeles no trilho. Graças a seu talento para estruturar polícias, alcançou fama inigualável entre os policiais do mundo inteiro. No mês passado, ele trocou o comando do LAPD, que ocupou por sete anos, pela carreira de consultor. Suas lições nesse ramo são preciosas. Bratton falou ao editor Ronaldo França, pouco antes de se aposentar, sobre o que falta às polícias brasileiras para que ganhem em eficiência.
SEGURANÇA NO BRASIL Quando estive no Brasil, em 2002, o país começava a se tornar uma força econômica. Nessa área, o Brasil teve avanços enormes, que não se refletiram na segurança. Eu não sairia do hotel para andar pelas ruas do Rio de Janeiro, como faço nos Estados Unidos. A reputação do Rio é terrível. Eu não iria lá nem a negócios nem como turista.
SALÁRIOS X CORRUPÇÃO A polícia brasileira, como acontece em diversos países latino-americanos, é terrivelmente mal paga, o que encoraja a corrupção. Os policiais ficam muito suscetíveis a receber propostas de suborno para sustentar sua família. Nos Estados Unidos, os policiais ganham muito bem e pertencem de fato à classe média. No Brasil, os soldados da Polícia Militar ou os agentes da Polícia Civil são parte da classe social mais baixa. Isso cria uma distância em relação à classe média e aos ricos, provoca grandes dificuldades e frustração.
"Comecei a carreira como policial. No Brasil, seria um soldado de polícia. Eu jamais conseguiria ascender e me tornar chefe de polícia. Seria no máximo capitão ou major"
POLÍCIA DESMOTIVADA Vocês têm uma divisão na Polícia Militar em que os policiais são de uma classe social diferente da dos oficiais. Os soldados não podem chegar ao topo. E os policiais civis e investigadores são uma outra classe. Os delegados são advogados. É um sistema extraordinariamente complexo, que não tem a equidade existente na polícia dos Estados Unidos. Eu comecei minha carreira como policial. No Brasil, seria um soldado de polícia. Jamais conseguiria ascender ao cargo de oficial e, depois, ao de chefe de polícia. Seria no máximo capitão ou major. Eu teria de ir a uma faculdade de direito para me tornar delegado. Em meu departamento, todo investigador pode chegar ao posto mais alto da carreira policial. Não ter chance de ascender é algo desestimulante em qualquer carreira. Não haveria por que ser diferente na polícia.
TECNOLOGIA Ainda há muitas delegacias com aparelhos de fax velhos e máquinas de escrever. Os equipamentos também são muito precários, com veículos em condições terríveis. Esse atraso é extremamente prejudicial. A tecnologia faz parte do coração de um departamento de polícia, claro que operada por pessoal capacitado e bem treinado.
JUSTIÇA É muito, muito importante que as corporações se relacionem com a Justiça, a promotoria, o sistema penitenciário, todos os elementos que compõem o sistema de justiça criminal. No Brasil, isso não acontece. Já estive no Ceará prestando serviços para o governador Tasso Jereissati, que estava muito empenhado nisso e trabalhando com muita seriedade. Despendemos muito tempo lá, implantamos alguns sistemas e fizemos algumas recomendações. Mas a Justiça é extremamente ineficiente. O sistema de justiça criminal brasileiro é tão desconectado que nem sequer pode ser chamado de sistema. É preciso promover uma profunda mudança, ou não se terá nunca uma boa polícia no Brasil.

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