domingo, 23 de agosto de 2009

"Eles assaltam porque querem ficar ricos"

Uma pesquisa inédita sobre a motivação dos criminosos revela como eles calculam friamente o risco de seus atos

Mariana Sanches

Qual é a semelhança entre o visionário Barão de Mauá, que construiu a primeira ferrovia do Brasil, e os criminosos que, em 2005, cavaram um túnel até a sede do Banco Central, em Fortaleza, e surrupiaram de lá cerca de R$ 160 milhões? Segundo a antropóloga Jania Perla de Aquino, o barão e os ladrões têm em comum o gosto pelo risco. O empreendedor arrisca dentro da lei. O assaltante não vê problema em se arriscar fora dela. Essa é apenas uma das polêmicas conclusões expostas por Jania em uma pesquisa inédita sobre grandes assaltantes. Jania passou os últimos seis anos viajando por dezenas de cidades para entrevistar 41 criminosos, boa parte deles milionários e foragidos da Justiça depois de anos de crimes. Ela falou a ÉPOCA sobre como agem e vivem esses criminosos.

ENTREVISTA - JANIA PERLA DE AQUINO

QUEM É Antropóloga, estuda assaltos a bancos há nove anos. Nos últimos seis, conviveu com 41 assaltantes responsáveis por vários crimes milionários desde os anos 1990. O QUE FEZ Graduou-se em ciências sociais na Universidade Federal do Ceará (UFC) e acaba de concluir seu doutorado na Universidade de São Paulo (USP)
ÉPOCA – Qual é o perfil dos grandes assaltantes?
Jania Perla de Aquino – Há pessoas pobres e de classe média. A maioria deles terminou o segundo grau. Eles só organizam assaltos contra instituições financeiras. Pelo menos metade dos assaltantes que entrevistei já acumulou um patrimônio superior a R$ 1 milhão. Os mais bem-sucedidos estão na cifra de dezenas de milhões. Dizem com desdém que tirar R$ 300 mil em um assalto é “roubar banquinho”.
ÉPOCA – Como eles planejam um assalto?
Jania – Eles levam até três meses para articular uma operação. Depois da escolha do alvo há todo um planejamento, com captação de informações e o recrutamento das pessoas que vão compor o grupo. As quadrilhas são circunstanciais. Dificilmente um mesmo grupo atua junto em mais de um assalto. E os assaltantes de bancos não costumam cometer outros crimes. Eles não roubam armas nem carros, preferem alugá-los ou comprá-los de outras quadrilhas.
ÉPOCA – Por que eles viram assaltantes?
Jania – Ouvi de um assaltante uma explicação: a pessoa não entra no crime porque ser pobre é ruim, mas porque ser rico é muito bom. Eles não querem ser só de classe média, querem entrar em lojas finas e ser bajulados. Querem ser a elite, consumir mais, circular em meios sofisticados. O mundo dos assaltos é uma espécie de porta da felicidade: muito dinheiro, muito rápido.
"Os assaltantes sabem que precisam trabalhar como atores. O pânico deles não é ser preso, é ficar pobre"
ÉPOCA – Como eles escondem e investem o dinheiro que roubam?
Jania – Alguns enviam o dinheiro para paraísos fiscais, mas a maioria usa laranjas no Brasil. Quanto aos investimentos, há dois perfis. Os assaltantes originários da zona rural costumam ter fazendas, imóveis, comércios em pequenas cidades no interior. Esses gostam de usar relógios grandes dourados, correntes grossas de ouro, têm predileção por caminhonetes 4 por 4. Os tipos urbanos têm como ícones dois dos personagens do filme Onze homens e um segredo, o Danny Ocean (interpretado por George Clooney) e o Rusty Ryan (Brad Pitt). Eles compram grandes apartamentos em áreas nobres, carros esportes, roupas de grife de bom gosto, mas discretas.
ÉPOCA – Eles fazem extravagância com o dinheiro que roubam?
Jania – Ao contrário. Aqueles que esbanjam dinheiro são considerados indisciplinados. É comum entre os assaltantes uma certa utopia de ter um conjunto de negócios legais viável para poder abandonar a ilegalidade. O “negócio” é lucrativo enquanto eles estão em liberdade, e a prisão significa prejuízo. Quando estão na prisão, não só deixam de roubar dinheiro, como também seus gastos aumentam – com advogados, por exemplo.Nos últimos anos, alguns assaltantes têm conseguido lucrar mesmo na prisão. Os mais renomados têm dado consultoria a outros assaltantes. Algumas quadrilhas, sem muita experiência, ligam para o celular do assaltante consultor, dentro da prisão, e pagam por conselhos.
ÉPOCA – Os assaltantes agem como empresários?
Jania – Há analogias que podem ser feitas entre os assaltantes e os empreendedores descritos pelo economista Joseph Schumpeter. O empreendedor de Schumpeter é um sujeito criativo, capaz de criar novos métodos para gerar dinheiro, de investir em atividades inovadoras sem garantias de lucro, de construir um império e escrever seu nome na posteridade. Um exemplo de empreendedor no Brasil é o Barão de Mauá. A exemplo da ferrovia de Mauá, a construção de um túnel que desemboca dentro do cofre do Banco Central é um empreendimento arriscado, custoso e com boas chances de altos lucros. Um grande assaltante chega a investir R$ 300 mil para criar uma operação e se arrisca a perder não só o dinheiro, mas a liberdade e a vida. A cada assalto ele busca inovar em tecnologia e em infraestrutura. Empreendedores fazem isso no mundo legal; assaltantes, no ilegal.
ÉPOCA – Estabelecer uma distinção entre esses dois mundos não é fundamental?
Jania – Um empreendedor de Schumpeter é um marco na história de um país ou do mundo. O grande assaltante será, no máximo, um mito no mundo da ilegalidade. Mas é equivocado imaginar que, na prática, existe um mundo do crime e um mundo da legalidade distintos e bem delimitados. A vida dos assaltantes não se baseia só em ações ilegais. Eles são também empresários legais que investem em negócios. E a percepção dos assaltantes sobre a sociedade em que vivem é que ela é corrupta. Eles não se veem como honestos, mas não se consideram mais criminosos que a maior parte das pessoas ricas. Eles me desafiavam a checar o Imposto de Renda das pessoas ricas para saber se elas não sonegaram nada ao Fisco ou não escondiam dinheiro no exterior.
ÉPOCA – Os assaltantes não têm medo da morte?
Jania – Alguns têm mais medo que outros. Mas todos acham que não vale a pena voltar à classe média depois de ter atingido um padrão de vida muito alto. O que não quer dizer que eles vão se arriscar em métodos suicidas para obter dinheiro. Pelo contrário, eles buscam formas cada vez mais sofisticadas de crime, que envolvam menos riscos. Há uma migração entre tipos de criminalidade. Matadores de aluguel têm migrado para os assaltos a bancos, porque essas ações dão mais dinheiro com menos risco de morte. E grandes assaltantes têm virado estelionatários. A partir do momento em que um criminoso participa de operações que não têm um conflito armado, é muito improvável que ele queira voltar à modalidade que envolve sangue.
ÉPOCA – Os assaltantes se preocupam com a assepsia dos crimes?
Jania – Isso tem a ver com o desejo de evitar que um assalto acabe se tornando um latrocínio (roubo seguido de morte), com pena maior, que crie uma grande comoção social e uma perseguição mais ferrenha da polícia. Mas não é só isso. No mundo dos grandes assaltos, quem comete latrocínio é visto como incompetente. Se o sucesso do assalto estiver em risco, eles vão matar. Mas eles não têm nenhuma vontade de fazer isso. É por isso que desenvolvem habilidades dramáticas para convencer a vítima do risco que ela corre sem dar nenhum tiro. Eles pensam em métodos para ser mais convincentes diante das vítimas. Eles portam armas potentes, porque uma metralhadora é muito mais persuasiva que um revólver. Trocam informações sobre os palavrões que geram mais impacto, em que parte da cabeça da vítima devem encostar a arma, como se aproximar do refém, o tom de voz para cada situação. Eles sabem que precisam trabalhar como atores.
ÉPOCA – O combate aos assaltos é eficaz?
Jania – O problema está nas técnicas de inteligência da polícia. O Estado não consegue mapear o patrimônio dos assaltantes. Quando há ondas de assaltos, as secretarias de segurança aumentam o efetivo policial nas ruas e efetuam prisões. A polícia sente que a resposta à sociedade foi dada. Mas a repressão ao crime só seria eficaz se a Justiça conseguisse confiscar o dinheiro lavado pelos assaltantes. O pânico dos assaltantes não é ser preso, é ficar pobre.

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