domingo, 4 de dezembro de 2011

Apenas a polícia pode fazer escutas telefônicas


Recente decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça nessa primeira quinzena de novembro de 2010 ganhou espaço na comunidade jurídica brasileira.
Trata-se do julgamento do Habeas Corpus 131.836, de relatoria do Ministro Jorge Mussi, aonde se discutiu, em suma, a possibilidade de realização de escuta telefônica — com autorização judicial — por instituição alheia à polícia judiciária. Tal decisão não pode ser interpretada como aparentemente vem sendo.
Extrai-se da mesma que os pacientes alegaram, entre outras questões, que as interceptações teriam sido realizadas pela Coordenadoria de Inteligência do Sistema Penitenciário da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (CISPEN), órgão que reputa desprovido de atribuição para tal tarefa.
O relator do Habeas Corpus acima citado se manifestou dizendo que o legislador não teria como antever, diante das diferentes realidades encontradas nas unidades da federação, quais órgãos ou unidades administrativas teriam a estrutura necessária, ou mesmo as maiores e melhores condições para proceder à medida. Ainda, que o artigo 7º da lei permite à autoridade policial requisitar serviços e técnicos especializados das concessionárias de telefonia para realizar a interceptação, portanto não haveria razão para que esse auxílio não pudesse ser prestado por órgãos da própria administração pública. Por fim enfatizou que houve participação de delegado de polícia na prática de tais atos.
Mas este entendimento não pode ser ampliado, de modo a expandir as margens impostas pela lei e banalizar o procedimento para a realização de escuta telefônica. Assim prega a Constituição Federal.
O seu artigo 5º, inciso XII, diz que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
A fim de regulamentar essa última parte do mencionado inciso, o legislador editou a Lei 9.296/96, aonde disciplinou o procedimento a ser adotado, com as devidas restrições e garantias. E essa é taxativa quanto aos sujeitos que podem requerê-la, bem como quanto à condução do procedimento, segue:
Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
...Art. 6° Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.
Mais adiante essa mesma lei diz, em seu artigo 7º, que para os procedimentos de interceptação de que trata esta Lei, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público. E encerra por aqui.
Primeiramente cabe definir o conceito de autoridade policial. Em que pese haver inúmeras divergências e interpretações, que não convém aqui esmiuçar por ser assunto merecedor de estudo direcionado, autoridade policial é única e exclusivamente o Delegado de Polícia, com as devidas exceções — como o caso das infrações penais militares.
Mas não é simplesmente porque o agente público seja um delegado de polícia que o referido pedido de interceptação deva ser acolhido. Há de haver toda uma estrutura legal que ampare tal prática, como a prévia instauração de inquérito policial ou procedimento criminal, distribuição de feitos — se for o caso —, entre outros fatores. Se isto não for respeitado, daqui a pouco o sistema jurídico, lastreado em interpretações erradas de decisões e normas, passará a ter unidades isoladas de investigações sem qualquer controle.
Significa dizer que, entendendo dessa maneira, basta uma autoridade pública requisitar, dentro do direito administrativo, um delegado de polícia para junto de si e esse dar início a uma série de investigações direcionadas. Será o fim da polícia em um todo e certamente uma retrocessão a práticas da ditadura militar, aonde um pequeno grupo de agentes devassavam a qualquer dia e hora as dignidades de qualquer cidadão.
Cabe frisar que não se engloba no dizer contido no parágrafo anterior a conhecida força-tarefa, geralmente composta de servidores de diversas instituições — como INSS, Polícias, Ministério Público, Controladoria-Geral da União, corregedorias, Tribunais de Conta, Receita Federal, etc.
Uma coisa é uma autoridade policial requisitar força pública ou particular de trabalho, quando a lei permite, para trabalhar ao seu lado a fim de solucionar determinada infração penal. Outra coisa é uma instituição alheia à policial requisitar a autoridade para dentro de sua estrutura e esta dar início a investigações. Em outras palavras: não basta existir simbólica e administrativamente a figura de uma autoridade policial para que interceptações telefônicas sejam validadas. Se assim for entendido, lícitas devem ser aquelas provas obtidas, por exemplo, com a participação de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), já que figurou um ou alguns delegados de polícia no procedimento.
Quando uma autoridade trabalha solucionando um crime, está ela subordinada também às práticas do direito administrativo para praticar ou deixar de praticar atos. Não pode ela sair atropelando normas e seus princípios de modo a obter determinado resultado. É o famoso e conhecido jargão reiteradamente ventilado na comunidade jurídica: em direito o fim não justifica o meio. Não se pode, portanto, fazer o servidor público durante o exercício da sua função aquilo que a lei não permite, especialmente quando se visa apurar infrações penais que, em tese, resultarão em condenações.
É de suma importância que o Poder Judiciário, na figura do Supremo Tribunal Federal, adéqüe e interprete a citada norma, de modo a pacificar e padronizar a sua aplicação e entendimento e resguardar a segurança jurídica dos jurisdicionados.

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