domingo, 18 de abril de 2010

DURAS CRÍTICAS AO JUDICIÁRIO

Correio Braziliense

A decisão da Justiça que colocou em liberdade o pedreiro Ademar de Jesus Silva, 40 anos, assassino confesso dos seis adolescentes moradores de Luziânia, foi alvo de duras críticas de senadores, autoridades policiais e até do ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, durante audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), realizada na manhã de ontem, no Senado Federal. Barreto reconheceu que as mortes poderiam ter sido evitadas se Ademar tivesse um acompanhamento rigoroso ao deixar a cadeia. Em 23 de dezembro do ano passado, ele saiu do cárcere após cumprir dois sextos da pena. Uma semana depois, teria executado a primeira vítima (Diego Alves Rodrigues, 13 anos). “É fato que houve falha de todo o sistema, porque um indivíduo que já havia sido condenado por crimes sexuais e com tendência psicopata não deveria ser posto na rua sem uma análise precisa do seu comportamento”, disse o ministro.
Ele também prometeu apoiar a volta da obrigatoriedade do exame criminológico, que é feito para avaliar a personalidade do criminoso e para saber se ele reúne condições de ser solto sem reincidir. Este exame deixou de ser obrigatório em dezembro de 2003, mas apesar da alteração na legislação, o magistrado responsável pode e deve solicitá-lo quando está diante de uma pessoa que, no seu entendimento, ofereça perigo à sociedade. No caso de Ademar, o exame foi feito. O texto alertava que o pedreiro apresentava traços de psicopatia. Em dezembro, o juiz da Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Luiz Carlos de Miranda(1), julgou favorável o pedido de progressão de pena.
O presidente da CCJ, senador Demostenes Torres (DEM-GO) foi duro ao comentar a interpretação de Miranda. “Ele (juiz) simplesmente jogou o laudo fora. Agiu como despreparado e negligente”, atacou Demostenes, que diante desse fato, sugeriu que a CCJ convoque o magistrado para que ele se explique. “Defendo a investigação desta decisão do juiz no Conselho Nacional de Justiça. Saber por que, mesmo com uma recomendação expressa da promotora, o juiz determinou sua soltura. O governo tem que acabar com essa filosofia de que se cadeia não recupera, então solta. Esse romantismo implantado no Brasil produziu uma consequência drástica em Luziânia e, se nada for feito, vai continuar produzindo no restante do país”, afirmou.
Exame
Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei nº 1.294/2007, que torna obrigatório o exame para a progressão de regime quando o detento tiver sido “condenado com violência ou grave ameaça à pessoa”. A proposta já foi aprovada no Senado e está na fila para ser votada na Câmara dos Deputados. O caso de Luziânia também aqueceu o debate sobre a Lei nº 8.072 de 1990, que fala de crimes hediondos. Existe um projeto de lei de autoria do deputado Sabino Castelo Branco (PTB-AM), que pune o autor de crimes da natureza do que cometeu Ademar à pena de prisão perpétua. “A mudança na lei serviria de exemplo. Creio que a incidência de muitos crimes bárbaros diminuiria substancialmente”, acredita o parlamentar. Para Barreto, é preciso cautela ao discutir alterações nas leis. “Modificar legislação às pressas não é o melhor caminho”, ponderou.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também quer saber por que a Justiça concedeu a progressão de regime a Ademar. Ontem, o presidente nacional da entidade, Ophir Cavalcante, protocolou um ofício ao corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, solicitando detalhes dos procedimentos adotados no caso do pedreiro.
Em nota, a Associação de Magistrados do Brasil (AMB) esclareceu que os juízes decidem sempre de acordo com a lei, baseando-se em laudos técnicos e informações sobre o comportamento do detento durante o cárcere. “O último laudo do processo, no qual o magistrado se embasou, atestava que o apenado não era portador de doença mental e não necessitava de tratamento medicamentoso”, destacou a AMB.
A entidade defendeu que a independência do juiz em julgar é a base do Estado Democrático de Direito. Disse, ainda, que não cabe aos demais poderes interferir na autonomia da jurisdição. “A cada novo crime bárbaro, volta-se a discutir a necessidade de reforma da legislação penal, cujo projeto está em tramitação no Senado”, ressalta a nota. Por fim, a entidade diz que “em vez de buscar bodes expiatórios para problemas que são estruturais, representantes do poder público precisam caminhar para a modernização de processos e procedimentos de forma a elevar a qualidade e a segurança da aplicação da Justiça”.
1 - Silêncio quebrado
Hoje, às 10h30, o juiz Luiz Carlos de Miranda, que concedeu a progressão de regime a Ademar, dará uma entrevista coletiva no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Ele deve esclarecer por que assinou a medida mesmo tendo em mãos laudos que contrariavam a decisão. Desde a prisão do pedreiro, o magistrado se mantém calado.
O que diz a leiPedofilia
Não é classificada como crime hediondo, mas o Projeto de Lei nº 5.658/09, em tramitação na Câmara, determina que seja enquadrada nessa relação. Progressão de pena
No Brasil, hoje, a progressão de regime em casos de crimes hediondos ocorre da seguinte forma: cumprimento de 2/5 da pena para réu primário e de 3/5, em caso de reincidência. Exame criminológico
Em 2003, uma alteração no artigo 112 da Lei de Execuções Penais (LEP) tornou facultativo o exame criminológico para a concessão de regime de progressão de pena. Porém, juristas recomendam que ele sempre seja adotado nos casos de crimes hediondos.
Mães cobram justiça
As mães dos seis jovens assassinados de forma brutal pelo pedreiro Ademar de Jesus Silva participaram da audiência na CCJ, mas não chegaram a falar no debate. Ao final, cobraram empenho da Justiça em condenar Ademar e pediram que ele seja transferido de Goiânia para Brasília. “Acho que aqui eles não vão esquecer do caso. Ainda acho que ele não agia sozinho e a polícia daqui deve ficar em cima do caso até esgotar todas as possibilidades”, disse a dona de casa Aldenira Alves de Souza, 51 anos, mãe de Diego Alves Rodrigues, 13.
Elas também cogitaram entrar com pedido de indenização contra o Estado. Para a contadora Valdirene Fernandes, 36 anos, mãe de Flávio Augusto, 14, o assunto não é prioridade no momento, mas será discutido num futuro próximo. “No momento, não discutimos isso, mas com certeza, no futuro, vamos contratar um advogado para processar o governo. Lógico que nada paga a perda de um filho, mas não podemos deixar que isso passe em vão”, ressaltou.
Já a funcionária pública Sônia Vieira de Azevedo, 45 anos, mãe de Paulo Victor, 16, fez um apelo para que as leis sejam modificadas. “Precisam ser mais severas. Não entra na minha cabeça que alguém tenha direito de soltar um monstro como esse, mesmo depois de Deus e o mundo falarem que ele era perigoso. Quero saber o que esse juiz tem a nos dizer agora que perdemos nossos meninos”, desabafou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Atenção! Os comentários ofensivos à Instituição ou pessoas serão de responsabilidade exclusiva de quem comenta, inclusive será divulgado o endereço IP, se solicitado.