domingo, 20 de setembro de 2009

Receita para criar um marginal, por Roger Spode Brutti

Da criminologia exsurgem inúmeras nuances que se dissipam e promovem múltiplos resulados. É impossível estudá-la e compreendê-la com fulcro exclusivo nos adjetivos jurídicos. Gêneses empíricas e remotas, oriundas das experiências juvenis, explodem em casuísticas que aguçam nossa curiosidade e nos deixam perplexos quanto aos seus possíveis porquês. Pensando nessas matizes, elaborei, com sotaque coloquial, a presente receita. Tenho a convicção íntima de que, se a fórmula infra fosse evitada o quanto possível, sensivelmente nossos jovens ver-se-iam mais afastados das sedutoras sendas da criminalidade.Adepto do raciocínio de Rousseau, acredito que o estudante das ciências criminológicas deve ater-se à incessante busca da causa da criminalidade no meio social. Dessa arte, oportuna a presente prescrição que almejo não ser adotada por qualquer dos diletos leitores.Preliminarmente, friso que este receituário é fruto de observações ao longo de minha vida funcional como policial civil. Utilizei-me de constantes conversações com jovens infratores e de inúmeras audiências com seus pais. Tratam-se de sete vícios capitais. É tudo muito simples. Basta você seguir, atentamente, os seguintes passos:
1) Nunca ouse discutir com seu filho acerca dos perigos envoltos nas drogas ilícitas, porquanto há incontáveis traficantes e jovens desregrados sedentos por instruí-lo a respeito;
2) Nunca seja imparcial ao ouvir alguma reclamação sobre o comportamento dele. Seja parcial e parta do princípio de que ele está sempre certo e de que os outros estão sempre errados;
3) Se o seu filho for ríspido em casa, não lhe obedecer e proferir-lhe injúrias verbais, não faça nada. Demonstre que ele está acima dos outros e que ninguém é digno do seu respeito;
4) Se ele preferir o ócio ao estudo ou à colaboração com as atividades domésticas, deixe estar. Ele acreditará que o mundo tem a obrigação de sustentá-lo gratuitamente e que, se no futuro o mundo decepcioná-lo, ele estará livre para buscar meios mais fáceis, embora ilícitos, de alcançar o que deseja;
5) Quando você for discutir deteminada diferença com seu cônjuge, faça-o de forma agressiva, desrespeitosa e, preferentemente, na frente do seu filho. Ele também passará a adotar esse modelo de comportamento dentro e fora de casa;
6) Se você sofreu uma separação conjugal, produza toda sorte de consequências contraproducentes a partir dessa vicissitude social, utilizando o seu filho como um instrumento bélico contra o seu ex-cônjuge. Faça intrigas e satisfaça todas aquelas vontades caprichosas que o seu filho sempre teve e que normalmente não seriam satisfeitas durante a constância do laço matrimonial. Desta forma, você obterá a preferência dele e propiciar-lhe-á uma perspicácia excepcional, na medida em que ele entenderá como se aproveitar com desvalia das situações e das outras pessoas;
7) Não se preocupe se o seu filho está saindo com amigos de má fama. Assim, se um dia ele for flagrado em pleno ato infracional, de tal forma que não lhe seja possível auxiliá-lo na tese da negativa de autoria, possa você justificar-se aos policiais dizendo que a causa determinante de tudo foi a influência das más companhias. Muito bem. Cumpridas as orientações supraditas, não se preocupe mais com o comportamento do seu filho. A partir de agora, a Polícia passará a ter o dever legal de fazer isso por você.
Sobre o autor
Roger Spode BruttiDelegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA) de Buenos Aires/Ar. Mestre em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Universidade Franciscana do Brasil (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Graduado em Direito pela Universidade de Cruz Alta/RS (UNICRUZ). Professor Designado de Direito Constitucional, Direito Processual Penal e Direito Penal da Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul (ACADEPOL/RS). Membro do Conselho Editorial da Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Articulista semanal do Jornal “A Razão” de Santa Maria/RS, periódico fundado em 09 de outubro de 1934

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